Boa noite, minha heroína

 Eu não a conheço. Vejo-a de longe. De costas. Da janela de meu quarto.

Não faço ideia de como é seu rosto, pois só a vejo de costas. 

Não faço ideia do seu nome, sua idade (calculo que tenha entre 50 e 60 anos), mas posso estar enganada, pois minha visão é privilegiada para o todo, mas não para os detalhes.

Não faço ideia de como é sua vida durante a manhã e à tarde. Só a vejo à noite, tarde da noite, todos os dias, de domingo a domingo, faça sol ou faça chuva, com calor ou toda agasalhada. Lá está ela. Sim, ela estará lá todos os dias.

Eu, a essa hora estou morta de cansaço, pronta para dormir o sono dos justos. Por volta das 22 horas, todos os dias, despeço-me da minha turma e vou para meu quarto. Olho pela janela e lá está ela.

Deve estar cansada também. Mas, está lá. No tanque e na máquina de lavar. Sempre ativa e sem fazer corpo mole, ela esfrega as roupas no tanque, coloca na máquina e aproveita para lavar o quintal. Todos os dias.

O local não é muito grande, mas dá trabalho. Às vezes, estou tão cansada que olho pela janela e pergunto:

- Como você aguenta? Hoje, eu vou dormir. Estou morta. Até amanhã, minha heroína. 

Outras vezes, eu a acompanho da janela do meu quarto, do 7º andar, até que ela comece a estender as roupas. Me faz bem olhar para ela. É ágil e rápida. Não titubeia em nada. Sabe o que tem de fazer e faz.

Aprendi com ela que estender as camisetas em cabides é bem melhor do que prender no varal. 

Certa vez, conversando com uma de minhas filhas, disse a ela que "ser exemplo, era inevitável. Você será exemplo para alguém querendo ou não. Pode ser bom exemplo ou mau exemplo, mas não tem como escapar disso".

Pois bem, "minha heroína" é um bom exemplo para mim. Ela me anima quando estou exausta, me encoraja com sua rotina disciplinada e me mostra o valor do trabalho bem feito. E tudo isso sem me dizer uma única palavra, sem me olhar, sem escutar o meu "boa noite". Nada. Só pelo seu exemplo de constância e fortaleza.

Talvez, um dia, eu a conheça pessoalmente. Talvez, já tenha cruzado com ela no supermercado ou na padaria. Talvez... não sei. Sinceramente, nada mudaria. Eu continuo rezando por ela todos os dias e cumprimentando-a de minha janela: "boa noite, minha heroína".


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